No mês do orgulho LGBT+, celebrado de 1° a 30 de junho, a caminhada trilhada para avançar em pautas relacionadas a relações homoafetivas, movimentos políticos, direitos e leis ao longo dos anos gera reflexão. Se por um lado a criação e o fortalecimento de políticas públicas dão conta de um cenário promissor, os resquícios de um passado de opressões e julgamentos morais e religiosos ainda assustam, principalmente na área da saúde. Após diversas manifestações políticas e civis, em maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID) e Problemas Relacionados à Saúde. Ou seja, há apenas 33 anos. Antes deste período, a orientação sexual era tratada como uma doença, o que distanciava cada vez mais as pessoas da aceitação e do respeito.
+ Receba as principais notícias de Santa Maria e região no seu WhatsApp
Nove anos depois, o Brasil também dava alguns passos importantes. Com a formalização da Resolução 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), a sexualidade passou a ser entendida como “parte da identidade de cada sujeito”, deixando evidente que “práticas homossexuais não constituem doença, distúrbio ou perversão”.
Em junho de 2018, a transexualidade também perdeu o caráter patológico, assim como outras questões de gênero e orientação sexual. Mesmo assim, cabe lembrar que ainda é preciso avançar mais no país que mais mata pessoas trans e ofende a comunidade LGBT+ ao propor falsas curas.
No contexto atual, profissionais da saúde, principalmente da psicologia, buscam cada vez mais se aprofundar nas teorias de gênero para de fato acolher quem precisa.
Na reportagem, saiba qual é o papel empenhado hoje por psicólogos e psicólogas em espaços institucionais como a Casa Verônica, na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e em serviços de saúde especializados, como o Transcender, considerado o primeiro ambulatório criado em Santa Maria, e o ambulatório transexualizador, que faz parte do Hospital Casa de Saúde desde janeiro de 2022.
TRANSCENDER
Considerado o primeiro ambulatório do tipo em Santa Maria, o Transcender iniciou as atividades na Policlínica do Rosário, em janeiro de 2020, atendendo alguns usuários do município antes da pandemia da Covid-19. No ano seguinte, os atendimentos do ambulatório foram retomados por uma nova equipe, e, em outubro de 2021, o serviço passou a ser destinado à comunidade LGBT+.
Desde setembro de 2022, a equipe do Transcender atua junto à Policlínica Municipal de Saúde Mental, em um prédio localizado na Rua dos Andradas, com a Rua Duque de Caxias.
Conforme a coordenação do ambulatório, 140 pessoas são atendidas no local, sendo 65% moradores da região central do município. No primeiro quadrimestre de 2023, 35 novos acolhimentos foram realizados pela equipe, que também se dedica a atividades com seis grupos, ao matriciamento e a capacitação de outros profissionais da rede municipal de Saúde e Educação sobre a temática.
Além de parcerias, que buscam auxiliar as pessoas LGBT+ em outros aspectos como econômico, jurídico e social, o espaço conta com o suporte da prefeitura de Santa Maria e de uma emenda parlamentar no valor R$ 500 mil para o aluguel do imóvel.
Para garantir o atendimento, que é gratuito, basta ir até a Policlínica Municipal de Saúde Mental ou marcar com a recepção pelo telefone (55) 3921-1094.
Como funciona
- Atendimento gratuito e público
- Equipe composta por dois psicólogos, enfermeiro, médico clínico e agente de saúde mental, além de residentes e estagiário
- Consultas podem ser marcadas pelo telefone (55) 3921-1094 ou presencialmente. Não é necessário levar documento. Apenas informar o nome
- Horário de funcionamento – De segunda-feira a sexta-feira, das 8h ao meio-dia e das 13h às 17h
- Onde – Na Policlínica Municipal de Saúde Mental (Rua dos Andradas, 1.397, sala 102, Bairro Centro)
AMBULATÓRIO TRANS
Desde os primeiros atendimentos em janeiro de 2022, o ambulatório transexualizador tem ampliado o acesso da população LGBT+ ao Hospital Casa de Saúde, em Santa Maria.
O serviço, que começou como referência para pacientes de 33 cidades da Região Central, atende atualmente 135 municípios gaúchos. Com recursos estaduais do programa Assistir, o local é considerado o primeiro ambulatório, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), destinado à saúde de pessoas trans no interior do Estado, sendo o segundo no município.
Por mês, são ofertadas 240 consultas em especialidades como psicologia, psiquiatria, clínica geral e endocrinologia, além da realização de exames laboratoriais.
No contexto atual, cerca de 100 pessoas fazem o acompanhamento no local. O encaminhamento do usuário para o ambulatório deve ser feito por uma unidade de saúde de referência ou pelo ambulatório Transcender, para moradores de Santa Maria.
Como funciona
- 240 consultas por mês, além de exames laboratoriais
- Especialidades ofertadas – Psicologia, psiquiatria, clínica geral e endocrinologia
- Atende usuários do SUS de sete das 18 Coordenadorias Regionais de Saúde (CRS) existentes no Estado, contemplando 135 municípios
- Onde – No Hospital Casa de Saúde (Rua Ari Lagranha Domingues, 188, Bairro Nossa Senhora do Perpétuo)
- Encaminhamentos – Em Santa Maria, o encaminhamento de usuários para o ambulatório é feito a partir do Transcender.
- No caso de atendimentos para pacientes de outros municípios, será necessário fazer a solicitação na unidade de saúde de referência. O pedido será encaminhado para os sistemas de Regulação (Sisreg) e/ou Gerenciamento de consultas (Gercon)
CASA VERÔNICA
Após a aprovação da Resolução 64 em novembro de 2021, a Universidade Federal de Santa Maria tem buscado ampliar os espaços de acolhimento da comunidade LGBT+ dentro da instituição. Em maio de 2022, a Casa Verônica foi idealizada com o propósito de ser um ponto de referência na promoção da igualdade de gênero e no atendimento de estudantes e servidores da UFSM em situação de violência de gênero.
O nome do local é uma homenagem a Verônica Oliveira, ativista e proprietária de uma casa de acolhimento para pessoas da comunidade LGBT+, localizada em um bairro na Região Sul. Vítima de transfobia, ela foi morta a facadas no centro de Santa Maria na madrugada de 12 de janeiro de 2019.
Anexo a Biblioteca Central, a Casa Verônica também oferta desde atividades educativas, como rodas de conversa, oficinas e cursos, até atendimentos psicossociais e orientação jurídica, que ocorrem mediante agendamento.
Conforme a administração do espaço, apesar da existência de uma demanda, ainda não há dados sobre quantas pessoas LGBT+ estudam ou trabalham no campi, uma vez que não são solicitadas informações sobre identidade de gênero ou orientação sexual no cadastro.
No contexto atual, a Casa Verônica conta com recursos de custeio para bolsas, materiais gráficos e de consumo fornecidos pela UFSM. O espaço também recebeu uma emenda parlamentar no valor de R$ 400 mil, que resultou na compra de mesas, computadores e outros itens, além da contratação da equipe multiprofissional.
Como funciona
Espaço de promoção da igualdade de gênero e acolhimento de estudantes e servidores da UFSM em situação de violência de gênero
Equipe composta por duas psicólogas, advogada, assistente social, jornalista e administradora, além de bolsistas e estagiários da psicologia e comunicação
O atendimento ocorre mediante agendamento. Para solicitar acolhimento psicossocial, acesse o formulário ou encaminhe e-mail para acolhimentocv@ufsm.br
Horário de funcionamento – De segunda a sexta-feira, das 8h ao meio-dia e das 13h30min às 17h30min
Para mais informações, entre em contato pelo e-mail casaveronica.pre@ufsm.br, pelos telefones (55) 3220-9335 ou (55) 9159-8978 ou @casaveronicaufsm no Instagram
- Inserção de pessoas trans no mercado de trabalho ainda é desafio
-
Luta, amor e direito: casais homoafetivos celebram os avanços da última década
A posição de profissionais
"A Psicologia sempre foi acolhedora com relação à estruturação de qualquer sujeito. Seja ele com transtorno ou sem. Acho que devemos reforçar a ideia de que a Psicologia, por ser um campo científico, vai além do juízo moral e do religioso. É importante que entendamos o sujeito e sua estruturação pelo modo o qual ele foi se estruturando ao longo da vida. As coisas se dão por identificações e não necessariamente por escolhas. Então, na medida em que essa pessoa for conseguindo se estruturar e se organizar, ela buscará o melhor modo de sobrevivência. O que precisamos fazer é um melhor acolhimento, uma compreensão da situação deste sujeito e, a partir disso, lidar com as questões que ele irá trazer”.
César Bridi Filho, psicólogo da Policlínica de Saúde Mental e do Ambulatório Transcender
“Nós, enquanto profissionais da Psicologia, temos que ter um olhar sensível e entender que certas demandas para a população LGBT são mais delicadas. São nesses momentos de acolhimento, em que está a pessoa LGBT e o psicólogo ou a psicóloga, que ela elabora também a questão do seu próprio orgulho, de ser quem se é. Às vezes, é só nesses momentos que ela consegue falar sobre si. Então, o respeito, a empatia e a alteridade, que muitos profissionais deveriam ter neste momento, é importante”.
Gabriela Quartiero, psicóloga da Casa Verônica UFSM
“Eu entendo que, enquanto profissionais da saúde, precisamos prezar pela saúde deste sujeito. Precisamos lembrar que há uma pessoa em sofrimento na nossa frente. Antes de colocar as lentes da patologia, é importante avaliarmos o histórico de infância e adolescência deste sujeito. Com certeza, ele não demonstrou isso da noite para o dia. (...) As pessoas que hoje buscarem formações nas áreas de gênero e sexualidade, precisam saber que é necessário, sim, se apropriar cada vez mais destes temas, para que consigamos de fato ter uma formação acadêmica e um atendimento cada vez mais inclusivo”.
Thadeu Lucca, psicólogo do ambulatório Trans da Casa de Saúde
“Por onde a população LGBT+ passa, existem cobranças de normas sociais. Nós da Psicologia atuamos no sentido de desconstruí-las, de ajudar para que este público também se reconheça e conheça seus direitos, que é algo muito importante. Também no resgate da autonomia e do que eles chamam de espontaneidade, algo que deixam de ter nestes espaços que cobram muito deles. Que cobram que se comportem de determinada maneira”.
Daiane de Magalhães Tolentino, psicóloga da Policlínica de Saúde Mental e do Ambulatório Transcender